Tenho saudades,as vezes por acumulação,daquilo que não me deixaram ser.
Das minhas tardes que não foram e que eram tão doces.
Se tiveres os meios e não os fins,contente-se,pior seria ter o fim feito e refeito,mas não ver meios.
Depois de todos os meus esforços,só resta uma goteira grossa por dentro de mim.
Estou surpresa,como se tivesse acordado a pouco e visto a maravilha do mundo diante da janela e pensado: Então sou só eu que vivo em gotas esperando um dilúvio?
Porque apesar de tudo,só tenho por companhia a goteira,qual aranha,tecendo seu mistério da vida em mim.
Lutando contra as visitas indesejáveis,eu sigo.
Com raiva da caneta sem tinta,do amor que não deu em nada,do pacto surdo entre mim e o silêncio.
Tudo que resultei de mim não é nada,ainda que muito pra mim,porque mesmo fugindo de mim,o encontro inevitável,é traumático.
Disseram-me que eu devia sentir apenas coisas boas e perdoar os erros e maldades que as pessoas cometessem.
Disseram-me que a óstia era o corpo de Cristo,o vinho,seu sangue e que se eu comesse e bebesse,saciando-me em Deus,eu viveria para sempre.
Mas manteram-me calada e era tudo uma farsa.
Me senti inferior e profana por ter ódio e não saber que nome dar a isso,sentia-o na ponta da língua,nos cabelos,na seiva.
Fui mantida em cárcere por desconfiar das palavras sábias e também das palavras mundanas,todas eram tão facilmente pronunciadas.A goteira era a verdade,a legitimidade das coisas.
Era o que provava que por cima dos ossos havia carne e que essa carne sangrava quando se excedia em sentimentos impróprios.
Constantemente anoitecia em mim e eu calava o meu mistério para sobreviver a manhã.
Cresci sem saber ser e sem crer que sabia qualquer coisa.
Morri para dentro de mim e acordei dentro do meu pulmão,sozinha com uma goteira.
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